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Descoberta de ferramentas de pedra lascada na Jordânia leva à reinterpretação dos rumos da evolução humana

Elaine Leal     8 de julho de 2019 - 7h12

Uma equipe de cientistas brasileiros fez uma descoberta capaz de transformar o que estava estabelecido até agora como a trajetória da evolução humana. Ferramentas de pedra lascada encontradas pelo grupo em um sítio arqueológico na Jordânia sugere que a primeira espécie do gênero Homo a deixar a África foi o Homo habilis, há cerca de 2,4 milhões de anos atrás, considerando que as peças foram datas como tendo entre 1,9 e 2,4 milhões de anos.

Coletiva de imprensa na USP com o professor Walter Neves e os pesquisadores /professores Fábio Parenti (UFPR) , Giancarlo (UNESP), Astolfo Araujo (MAE - USP) sobre a descoberta de pedra lascada que indica mudanças na história evolutiva dos humanos. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

Coletiva de imprensa na USP com o professor Walter Neves e os pesquisadores /professores Fábio Parenti (UFPR) , Giancarlo (UNESP), Astolfo Araujo (MAE – USP) sobre a descoberta de pedra lascada que indica mudanças na história evolutiva dos humanos. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

Vale do Zarqa, Jordânia, núcleo do corte 334 inferior, idade 2,45 milhões de anos. Imagem: Fabio Parenti.

Vale do Zarqa, Jordânia, núcleo do corte 334 inferior, idade 2,45 milhões de anos. Imagem: Fabio Parenti.

Um dos líderes da pesquisa, Fabio Parenti, do Departamento de Antropologia da UFPR, confirmou que não há dúvidas sobre a idade dos artefatos nem sobre o fato de terem sido produzidos por hominídeos, descartando a origem por processos naturais. “Há evidências muito claras de lascamento intencional” afirmou o arqueólogo que é especialista no que é chamado pelos arqueólogos de “indústria lítica”, a produção de objetos de pedra lascada, e já acumula experiência em escavação na região do achado desde a década de 1990.

As peças da Jordânia são características da chamada “indústria olduvaiensi”, núcleos e lascas de pedra que eram utilizados para quebrar objetos e cortar carcaças de animais dos quais o Homo habilis se alimentava.

O professor da UFPR é um dos seis autores do trabalho que será publicado neste sábado, 6 de julho, na revista Quarternary Science Reviews. Ele e Walter Neves – especialista em evolução humana, famoso pela descoberta do fóssil que ficou conhecido como Luiza, em Minas Gerais – assinam o estudo com o geólogo Giancarlo Scardia, da Universidade Estadual Paulista (Unesp – Rio Claro), e o geoarqueólogo Astolfo Araújo, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, além de colaboradores nos Estados Unidos e na Alemanha, que contribuíram com parte das análises.

Peça ER1813 – Homo Habilis na Coletiva de imprensa com os pesquisadores Fábio Parenti (UFPR), Walter Neves (USP) , Giancarlo (UNESP), Astolfo Araujo (MAE – USP) sobre a descoberta. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

Peça do crânio Homo erectus (D2700) na Coletiva de imprensa pesquisadores Fábio Parenti (UFPR), Walter Neves (USP) , Giancarlo (UNESP), Astolfo Araujo (MAE – USP) sobre a descoberta. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

As peças são principalmente núcleos e lascas de pedra, características da chamada “indústria olduvaiensi”, que nossos ancestrais mais primitivos do gênero Homo usavam para quebrar objetos e cortar as carcaças de animais dos quais se alimentavam. As ferramentas de pedra lascada são associadas ao gênero Homo habilis, o mesmo da descoberta, e são considerados os primeiros artefatos fabricados pelos ancestrais humanos do gênero Homo, conjunto de primatas ao qual o ser humano da atualidade pertence em conjunto com seus ancestrais mais próximos e as subespécies que deles evoluíram.

A descoberta muda o entendimento mais consolidado da área, de que teria sido o Homo erectus que o primeiro do gênero Homo a deixar a África, entre 2 e 1,8 milhões de anos atrás. Segundo Neves, a datação das ferramentas indica que foram produzidas pela outra espécie. “A datação dos artefatos jordanianos foi confirmada por três técnicas diferentes, e o Homo habilisera a única espécie de hominídeo (do gênero Homo) que já vagava pela África naquela época, 2,5 milhões de anos atrás”.

Os resultados do estudo na Jordânia convergem com outras descobertas recentes, como na Argélia, também datadas de 2,4 milhões de anos, já próximas da “saída” do continente africano em direção ao Oriente Médio. Isso indica que o estudo pode ter definido a data de saída dos homenídeos da África.

Sukhne, Vale do Zarqa, Jordânia setentrional, 2014_ Prospeção vertical em afloramento, a busca de fosseis e artefatos líticos. foto: Fabio Parenti.

Retirada de amostras de basalto para datações Ar_Ar, 2013. foto: Fabio Parenti

Retirada de amostras de basalto para datações Ar_Ar, 2013. foto: Fabio Parenti

Escavação na Jordânia – Trincheira 414, em 1999. foto:_Fabio Parenti

Outra mudança importante que o estudo pode introduzir é o fato de que o Homo erectus não surgiu na África mas na região do Cáucaso a partir destes grupos de Homo habilis que migraram anteriormente. Os famosos fósseis de Dmanisi, na República da Geórgia, que levou alguns pesquisadores a propor que o Homo erectus e o Homo habilis não eram espécies diferentes, mas variações de uma mesma linhagem é um das propostas polêmicas que podem ter sido resolvidas. A recente descoberta levaria a pensar que a variabilidade anatômica dos crânios encontrada surgiu porque ali se desenvolveu uma espécie de transição, precursora dos Homo erectus. Os fósseis de Homo erectus do continente africano seriam fruto de um retorno à África desta espécie em seu processo de migração posterior.

Os Homo habilis teriam continuado migrando o que jogaria luz em outras descobertas que tem gerado muitas divergências de interpretação, como a recente descoberta de artefatos de pedra lascada em Shangchen, no leste da China, com 2,1 milhões de anos — ou seja, anteriores ao Homo erectus, como explica Neves, que sugere ainda que o famoso Homo de florisiensis descoberto na Ilha das Flores na Indonésia possa ser uma evolução direta do Homo habilis.

Coletiva de imprensa com pesquisadores anunciando a descoberta. foto: Leonor Calasans_IEA USP.

Coletiva de imprensa pesquisadores Fábio Parenti (UFPR), Walter Neves (USP) , Giancarlo (UNESP), Astolfo Araujo (MAE – USP) sobre a descoberta. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

Coletiva de imprensa pesquisadores Fábio Parenti (UFPR), Walter Neves (USP) , Giancarlo (UNESP), Astolfo Araujo (MAE – USP) sobre a descoberta. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

Coletiva de imprensa pesquisadores Fábio Parenti (UFPR), Walter Neves (USP) , Giancarlo (UNESP), Astolfo Araujo (MAE – USP) sobre a descoberta. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

Impacto da publicação

Neves indica que a publicação vai ser recebida com ceticismo pela comunidade internacional, o que é comum nestes casos que indicam a reescrita de muito do que vinha sendo produzido até então. Apesar disso, as novas evidências tendem a consolidar as novas descobertas com o tempo. O estudo da evolução humana exige um esforço muito grande de reconstruir os acontecimentos a partir de poucas evidências, geralmente difíceis de ser encontradas, sendo caracterizado por envolver muitas polêmicas e competição entre os pesquisadores.

Além do amparo das universidades dos pesquisadores, a pesquisa operacional foi financiada principalmente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research, de Nova York.

O jornal da Universidade de São Paulo fez um infográfico com as principais mudanças que o novo modelo proposto traz:

fonte: Jornal da USP

fonte: Jornal da USP

fonte: Jornal da USP

fonte: Jornal da USP

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